O padre e a porta entreaberta
Publicado em: 30 de setembro de 2022
Colunistas
Felipe Demier
Felipe Demier
Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).
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Felipe Demier
Felipe Demier
Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).
A inusitada aparição do tal “padre de festa junina” no debate da Globo de ontem é um tanto reveladora da natureza da nossa democracia blindada – em crise. Se foi bom ou ruim pro Lula, não sabemos. Mas a despeito do êxito ou não de Bolsonaro em sua tática, houve, da parte do neofascismo, um elemento de chacota do regime democrático-liberal, que acaba por ter parte de sua essência revelada sob a forma do constrangimento público.
Pela constante restrição do debate político operada pela grande mídia, pela força autocrática do poder econômico e pelas sucessivas contrarreformas eletivas nas últimas décadas, a blindagem alcançada pela nossa democracia praticamente impediu que qualquer voz minimamente dissonante à harmonia neoliberal tivesse qualquer audiência no debate público de ideias, relegando a esquerda socialista à marginalidade quando dos pleitos eleitorais. Ao mesmo tempo, e pelos mesmos motivos, mas como uma consequência indesejada e mesmo incômoda, a democracia blindada tornou possível que um integralista neofascista, em sua versão burlesca e protobizantina, tivesse lugar no momento alto (de maior audiência) do debate político promovido por um dos fundamentos axiais do regime e da tal “esfera pública não estatal”, a grande imprensa – pode chorar Habermas, mas você esperava o que do “consenso intersubjetivo” na sociedade burguesa periférica e decadente?
Fazendo troça da democracia liberal, explorando suas regras anti-democráticas a sua maneira, o neofascismo bolsonarista mostrou ontem como a ele, que nunca foi sequer chamado de fascista pela grande imprensa liberal, tudo e mais um pouco é sempre permitido. Num amálgama de deboche com tática eleitoral, o neofascismo fez o bem comportado e austero Bonner, o narrador dos áudios golpistas vazados por Moro, ter tido que, em sua própria casa, contracenar – fazendo às vezes de inspetor de escola – com um dos frutos tétricos que ele e seus patrões ajudaram a frutificar, mesmo que o odor pútrido do antes bendito fruto agora lhes cause náuseas ao ser inalado dentro de seu próprio estúdio – o palco por excelência do debate de uma democracia sem debate.
Ao levar a tiracolo para o principal debate eleitoral televisivo um candidato de última hora apenas com a finalidade de pautar os temas mais reacionários e admoestar o candidato da esquerda moderada, ao criar um situacionismo às avessas (ordeiro e defensor da família) inserindo um personagem de A Praça é Nossa em meio aos candidatos defensores das “instituições”, Bolsonaro e seu neofascismo, ao seu modo bizarro e sem graça, fizeram graça dessas mesmas instituições, sempre tão refratárias à esquerda e ao campo popular, e sempre cheia de graça – e com a porta entreaberta – pra extrema-direita.
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