O perigo bonapartista continua presente


Publicado em: 21 de maio de 2019

Colunistas

Valerio Arcary

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

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Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

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Mais uma vez: “quem não sabe contra quem luta não pode vencer”. A convocação de manifestações da extrema-direita para o domingo, dia 26 de maio, confirma que a ala bolsonarista é neofascista. Deve ser levada a sério. Mais uma vez: não pode ser subestimada. A iniciativa da marcha é, provocativamente, bonapartista.

Tudo indica que é uma iniciativa precipitada, desastrosa, atrapalhada. Mais um grave erro de Bolsonaro. Por várias razões. Mas estamos diante de um governo muito perigoso. O perigo de um inverno siberiano continua presente.

A publicação da nota em que Bolsonaro apoia a denúncia de que “o Brasil é ingovernável” não deve ser interpretada como uma advertência de possível renúncia. Não sinaliza recuo, mas ofensiva. Anuncia disposição de reagir, de disputar, de avançar.

A questão central é que a corrosão da ala bolsonarista tem sido muito acelerada. Mas são audaciosos, arrogantes, violentos e, ao se descobrirem ameaçados, preparam um contra-ataque. Ameaçados, em primeiríssimo lugar, pela força social e política de impacto das mobilizações do passado 15M em defesa da educação pública. A esquerda recuperou, claramente, a hegemonia nas ruas. Os neofascistas decidiram medir forças.

Mas, ameaçados, também, pela articulação dos partidos do Centrão que forçaram a convocação de Weintraub para demonstrar força, e são indispensáveis para o encaminhamento da Reforma da Previdência e do Pacote Moro, além da votação das Medidas Provisórias que têm prazo de validade. Ameaçados pela investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro que cerca a vida financeira de Flávio Bolsonaro e seus funcionários da Assembleia Legislativa. Ameaçados, mas não encurralados. Precisamos manter o sentido das proporções.

É, por enquanto, impossível aferir, sem margens de erro muito alta, qual será o desfecho das convocações do dia 26/05. Parece improvável que sejam manifestações poderosas. Ao contrário, se considerarmos a perda de coesão dentro da extrema-direita, as divisões dentro do PSL, a defecção do MBL e outros, tudo sugere que não terão a potência dos atos de 1015/16. Devem ser muito menores do que o 15M. Mas prognósticos são, somente, cálculos.

As forças de pressão que se acumulam são de tipo e intensidade variada. Em primeiro lugar, nos remetem às mudanças nas relações políticas de força.

O primeiro elemento é o desgaste de Bolsonaro dentro do governo. A disputa entre a ala bolsonarista e militar foi séria. As outras duas alas, representadas por Moro e Paulo Guedes não se posicionaram, publicamente. Mas, dificilmente, se alinharam com os olavistas, portanto, Bolsonaro ficou mais isolado, enfraquecido. O segundo foi o desgaste do governo diante do Congresso e do STJ. Saiu enfraquecido. O terceiro foi o desgaste do governo diante da burguesia e da classe média. Saiu enfraquecido. De novo, enfraquecidos, não derrotados. Precisamos preservar o sentido das proporções.

Mas mudou, também, a relação social de forças, e se abriu uma nova conjuntura. O 15M foi o início de uma resistência de massas. Pode se transformar em uma onda na preparação do #30M e, mais importante, no desafio do #14J. Mas não mudou ainda a situação. São dois níveis de análise distintos, em graus de abstração diferentes. Não é incomum que haja dissonâncias. A mesma situação atravessa conjunturas variadas. O tempo rápido das conjunturas não deve ser confundido com o tempo mais longo das situações. Sem uma vitória não é possível uma inflexão na relação social de forças. A ofensiva ainda está nas mãos da classe dominante. A força da classe dominante não equivale à força do governo. É muito maior. E a burguesia ainda não está disposta a romper com Bolsonaro. Quer enquadrá-lo.

No contexto maior está o agravamento da crise econômica. Os resultados do primeiro trimestre foram um banho de água fria. Há dois anos a economia brasileira anda de lado, depois do mergulho de 2015/16 que sacrificou mais de 7% da capacidade produtiva instalada. E agora imbicou. Uma contração. Os mais otimistas adiam para 2024 a retomada do patamar de 2014. Uma década perdida.

A crise do capitalismo brasileiro é grave. Ela é econômica e social. Os primeiros quatro meses e meio de governo Bolsonaro indicam que ela tende a transbordar em crise política de governo. Muitos pensam que o maior problema do Brasil é a estagnação. Não é, embora ela seja dramática, gravíssima. O maior problema persiste sendo a pobreza que sacrifica o dia a dia de mais de muitos e muitos milhões. O que explica este drama não é a estagnação. É a desigualdade social que não parou de crescer. A burguesia defende que a saída da crise passa pela retomada do crescimento para, no futuro, reduzir a miséria. A esquerda deve defender que a riqueza seja dividida para poder voltar a crescer.


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