E agora? É possível derrotar Bolsonaro e seus ataques?


Publicado em: 20 de maio de 2019

Brasil

Fábio José Queiroz, de Fortaleza, CE

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Mais de um milhão de pessoas, possivelmente, ganharam as ruas no dia 15 de maio último e arejaram o ambiente político, permitindo que se acreditasse que é possível lutar e resistir à ofensiva do bolsonarismo. A fim de adquirir uma compreensão mais ampla do significado da greve nacional da educação, este artigo busca responder a uma pergunta fundamental: “E agora”? Para tentar respondê-la, parte-se aqui de uma análise sucinta do governo, da luta de classes e, particularmente, da situação do movimento depois do 15M.

O bolsonarismo bate cabeça

O bolsonarismo é uma experimentação marginal da burguesia. Esse fato, de certo modo, explica por que o novo condomínio governamental bate tanto cabeça. Raramente foi possível identificar um governo que, em tão pouco tempo, se mostrou tão caótico e tão desajeitado. Um irremediável antagonismo se descobre em suas múltiplas correntes que, dia sim dia não, se digladiam.

Nas condições históricas concretas, Bolsonaro é um governo de extrema-direita e expressa o crescimento dessa vertente no Brasil; contraditoriamente, elegeu-se apoiado em uma ampla base de eleitores, com um caráter absurdamente difuso. As contradições do governo, mais do que nunca, trazem a tona esse aspecto difuso. Daí certos atritos, não só em seu interior, mas no seu entorno. Os traços mais abertamente bonapartistas e semifascistas da ala mais extremista do bolsonarismo não encontra abrigo em toda sua base de adeptos, e ainda menos em estratos do liberalismo burguês esclarecido, posicionados não apenas no âmbito da máquina estatal, mas, também, na mídia (impressa, televisiva, digital) e na universidade.

O registro de múltiplos impactos na cercania do governo, durante esse curto espaço de pouco mais de quatro meses, e que demonstra o irremediável antagonismo que o devora, são os sinais de ruptura nas declarações de Lobão, um músico retrógrado, e no aparente recuo (ainda que provisório) do execrável astrólogo. Outro indicador importante se traduz nas mudanças recorrentes de membros da equipe presidencial e hesitações de sua base de apoio no parlamento. Para terminar, o espírito perplexo do bolsonarismo ante o papel de uma mídia influente que denuncia integrantes do governo e da família Bolsonaro.

A propalada mística figural do presidente parece insuficiente para unir forças tão díspares como as que, no domínio do Estado e da sociedade, ou o apoiam ou simplesmente, por conveniência, o aturam. Em torno desse ambiente confuso, Jair Bolsonaro não cessa de fazer e de anunciar ataques que, ao se multiplicarem, produzem uma situação na qual aos que estavam em oposição se somam alguns que estavam em silêncio ou em estado de expectativa. A base do bolsonarismo ainda não se desfez, mas, no momento em que precisa demonstrar mais força, hesita.

Daqui se pode entender por que o bolsonarismo convoca o dia 26 de maio como uma resposta não só ao dia 15, mas como uma tentativa de rearranjar a sua base de apoio, recompondo-a para enfrentar os instantes decisivos que se aproximam. O mais provável é que esse movimento não surta o efeito que os Bolsonaros imaginam. Eles querem a sua noite de São Bartolomeu. Pretendem massacrar os que se opõem a sua política destrutiva. A referenciação à multidão que se mobilizou na greve nacional da educação pode levá-los a um novo e perigoso constrangimento. Aqui, será preciso examinar o comportamento da classe média.

O fato é que a batalha agora não se resolve nas redes sociais, mas nas ruas. Depois do dia 15 de maio, não é possível outro caminho. Desencadeou-se um novo momento da luta política. A juventude e um setor da classe trabalhadora entraram em cena. Os Bolsonaros sabem que precisam voltar a recuperar o protagonismo na cena política. Insensíveis até às questões mais elementares da civilização burguesa, conseguirão?

As folhas se espalharam nas ruas

Para ilustrar a decisiva mudança em curso, abro aqui um parêntese para contar um episódio da greve geral da educação. Dico é um velho operário da construção civil da Região Metropolitana de Fortaleza. Quando a imponente mobilização na capital cearense parou momentaneamente o seu percurso, até pelo caráter massivo da manifestação, Dico parou por uns minutos para conversar com um pequeno comerciante de rua, que lhe disse: “Nunca vi nada igual. Quando olhei, quase não acreditei. Parecia que as folhas das árvores haviam se espalhado nas ruas.” Pois é: as folhas se espalharam nas ruas. Era tanta gente que lembrava um mundo de folhas espalhadas no chão. Eram estudantes, professores, servidores, ativistas e anônimos que se somaram a uma mobilização que, ao projetar-se com uma força inusitada, fez recordar 2013 e o “Ele, Não!”.

Por mais plausível que seja, simplesmente tomar o todo delicado da situação política para não aquilatar devidamente a pulsão das ruas depois da greve nacional da educação, e o que isso desencadeou no imaginário da sociedade, não parece representar a atitude mais razoável. Para ilustrar a decisiva mudança na conjuntura, basta observar como o impulso (e a autoridade) do movimento furou a bolha de uma mídia corporativa pouco afeita a publicar o que se passa no campo das lutas sociais.

É interessante analisar o que acontece. Para o movimento dos trabalhadores e estudantes, depois do 15M, já não é tempo de espera. Por sorte, abre-se um tempo no qual a luta se torna a responsável pelo destino de tudo. A busca por uma solução se desloca para as ruas. Ninguém mais está à espera de um milagre. Diante da radicalização do programa neoliberal e dos efeitos da política bolsonarista, que se mostram devastadores, o tempo de espera deu lugar à mobilização social. Em última hipótese, o país está diante de um nítido indício dos tempos que virão.

Seguramente, o triunfo da mobilização social, que deu seu primeiro passo, vai requerer um embate muito duro e prolongado. O dia nacional de luta no 30 de maio, que deve ter os estudantes na vanguarda, e a greve geral de 14 de junho, que precisa contar com a imensa maioria da classe trabalhadora, constituem momentos decisivos dessa luta dura e longa. Antes disso, está marcada a ação de rua bolsonarista. Neste ponto, tudo está em aberto.

Do lado do bolsonarismo está a sua sintonia fina com as demandas do empresariado, notadamente no que diz respeito à reforma da previdência, mas, do mesmo modo, do desejo da burguesia de ver reduzido não somente o custo da força de trabalho, como também o papel do Estado na economia e nas políticas sociais. Além do mais, Jair Bolsonaro conta, por meio de uma política que prima pela execração da política, com o apoio de uma parte considerável da sociedade (que para se mostrar eficaz, carece ser mobilizada), e, se isso se mostrar insuficiente, não se deve descartar a ameaça da tutela militar.

Do lado dos trabalhadores e da juventude conta o fato de que as folhas se espalharam no asfalto e nas praças, que o tempo de espera deu lugar à mobilização social e, nesse sentido, qualquer solução, de um lado ou de outro, se desloca para as ruas, o campo preferencial das forças socialmente mais avançadas, embora até recentemente parecessem travadas ante a ofensiva das forças conservadoras. Ao retomar a iniciativa, a esquerda, os sindicatos, as centrais sindicais, e particularmente, o movimento estudantil, conjunturalmente, deram um primeiro nó nas linhas da correlação de forças. Ao saírem de um ponto muito atrasado, quando até pareciam descolados da história, terão que fazer a caminhada mais difícil. A mudança na relação de forças, num sentido mais abrangente, sob alguns aspectos, depende de que a mobilização social torne o seu ponto de partida em luta sistemática e crescente. A frente única que assegurou o êxito do movimento de educação precisa ser mantida e reforçada.

Será necessário acompanhar os próximos lances, lá e cá. Da parte de cá, não cabe acelerar o tempo empurrando os ponteiros do relógio, muito menos estancá-lo, retirando-lhe a bateria. Da parte de lá, há desconfiança com relação ao governo e começa a se falar de crise, de renúncia, de impeachment etc. Diante desse cenário, é hora de se pensar seriamente no programa que deve servir de bússola ao movimento, ao mesmo tempo em que se reforçam as suas bases. É o único modo de evitar que as folhas sejam arrastadas pelo primeiro vento forte.

E agora?

O ataque à educação é parte da radicalização do programa ultraliberal – e ideologicamente reacionário – que caracteriza o bolsonarismo. Ele se realiza no momento em que o país sofre com o agravamento da concentração de renda, o crescente empobrecimento da população, a elevada taxa de desemprego, a redução do gasto público e os custos sociais daí decorrentes. A ofensiva ideológica, política e financeira sobre as universidades era o que faltava para fazer o copo transbordar. E o copo transbordou.

O projeto do bolsonarismo é de terra arrasada. Não há saída para o país, do ponto de vista da classe trabalhadora, sem o fracasso desse projeto e, dificilmente ele será derrotado sem a derrota de seu mentor. Parafraseando uma poetisa portuguesa, longe da ação política contra os Bolsonaros e o seu programa são ermos os caminhos.

O êxito do 15M passou pelo envolvimento de maiorias silenciosas que, até então, se mostravam expectadoras dos acontecimentos da vida política. A sua participação ajudou a fazer o copo transbordar, as folhas tomarem conta das ruas e produzirem uma comoção nacional que, à primeira vista, modificou qualitativamente a conjuntura política. Novos atores entraram em cena. Aos gritos em defesa da educação e contra a reforma da previdência se somaram as palavras de ordem contra o governo de Jair Bolsonaro, que respondeu insultando as massas que, pela primeira vez, puseram o governo de extrema-direita em uma situação relativamente defensiva.

À pergunta “E agora?” é preciso responder com medidas organizativas e políticas. É indeclinável reforçar a frente única. Qualquer hesitação, nesse sentido, implica beneficiar o bolsonarismo. As massas fiscalizam os seus líderes e não vão perdoar traições. Junto disso, será preciso respeitar as desigualdades do movimento e ajudar com vistas a diminuir as diferenças nos graus de mobilização. No dia 30, provavelmente, a juventude deve ser a linha de frente do dia nacional de lutas. Dificilmente, ele se aproximará do que foi o dia 15 de maio, mas deve ser forte e ligar o 15M à greve geral de 14 de junho. As bandeiras em defesa da educação pública e contra a reforma da previdência precisam encontrar uma síntese nas consignas que enfrentem diretamente o governo Bolsonaro. Se antes isso não aparecia de modo explícito, agora é preciso levantar – como mínimo – a consigna de “Derrotar na luta Bolsonaro e seus ataques”. Sem que apareça uma bandeira que, pelo menos, parta dessa ideia-chave, um sentimento de imperfeição ou incompletude tende a tomar conta de um movimento que, aparentemente, já não consegue separar as suas reivindicações dessa reivindicação mais geral.

 

 


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